Ao falar sobre saúde da vulva, as pessoas logo pensam na especialidade médica que cuida desse órgão e isso não está errado, a final, esse é o grande papel da medicina: garantir a saúde e o bem-estar das pessoas. No entanto, revisando a história, observamos que a misoginia e o racismo estavam no centro do surgimento da ginecologia. James Marion Sims, considerado pai da ginecologia moderna, era um médico no séc. XIX que se aproveitava das mulheres escravizadas para fazer experimentos. Como elas se encontravam em condição de escravidão, não tinham o direito de recusar, assim, ele cruelmente realizava essas torturas experimentais sem ao menos anestesiar as mulheres.
Desde o início, observamos como os marcadores sociais influenciam na saúde da vulva. Claro que nenhuma mulher deveria ser submetida aos abusos de um misógino, como James Sims, mas é relevante, que dentre todas as mulheres, as negras e as escravizadas que foram sujeitadas a esses absurdos. Atualmente, a situação da saúde das vulvas não conta apenas com seu sistema biológico em plena regularidade. Observamos que determinadas características sociais, como: região de residência, nível de escolaridade, religião, sexualidade, raça, condição financeira, vão influenciar em quem terá mais ou menos garantia de uma boa saúde da sua genitália. Segundo uma reportagem do Drauzio Varella, 76% das mulheres realizam consultas ginecológicas anualmente e esse dado cai para 47% quando se trata de mulheres que fazem sexo com outras mulheres. Isso ocorre pelo fato de vivermos em uma sociedade falocêntrica, onde não só as relações sociais são centradas no falo como as sexuais também. Consequentemente, as relações em que o pênis não está presente não são consideradas relações verdadeiras e tão pouco dignas de fazer com que a mulher tenha que ir a uma consulta ginecológica para constatar se sua vida sexual está bem. Além disso, é fundamental reconhecer que a medicina ainda vem formando profissionais mal capacitados, isto é, das 47% que vão ao médico várias sofrem violências simbólicas e têm sua saúde negligenciada por não ter relações sexuais com um pênis.
Não acaba por aqui os abusos que nos são impostos quando o assunto é a nossa saúde íntima. Os padrões estéticos capitalistas não têm limites e determina-se até qual vulva é bonita, assim, cada vez mais procedimentos são oferecidos e várias mulheres são seduzidas por esses padrões nada reais. A misoginia e o capitalismo trabalham de forma tão asquerosa que basta uma busca rápida no google para que lhe ofereçam centenas de produtos com o objetivo de controlar o cheiro e a higiene da nossa vulva. Eles transformam nossa saúde natural em algo nojento a ser tratado e os impactos disso são gigantescos para nossa relação com nosso próprio corpo. Muitas de nós não sabem, mas as secreções vaginais nos informam como anda nossa saúde sexual, a textura, o cheiro e a cor do corrimento pode indicar infecções e doenças além de apontar qual fase do ciclo estamos.
Por isso, é tão importante que busquemos nos conhecer. A final nosso corpo tem um potencial incrível e natural que deve ser visto como uma coisa boa, não como algo ruim a ser eliminado e tratado. É fundamental também que lutemos por uma medicina que tenha responsabilidade social e que atualize suas normas éticas. Em qualquer tempo da história, é inaceitável que mulheres sejam tratadas com tanta misoginia, racismo e lesbofobia ao cuidarem de si mesmas. Lutamos para que essa realidade termine.
Ester Souza Monteiro
Ciências Sociais - UFMG
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